A Lusitânia no Tempo dos Romanos

O nome Lusitânia refere-se, segundo tudo indica, à região onde moravam os Lusos, povo antiquíssimo que terá vivido no centro de Portugal. Significa pois terra dos Lusos, embora alguns autores dissessem também Lisitânia. O sufixo “tania” significava numa língua pré-romana “terra de” um povo. Existiu, pois, uma região chamada Lusitânia, antes de os Romanos invadirem a Península. 
Discute-se onde ficaria situada, pensa-se que incluiria a actual Galiza, o Minho e Trás-os-Montes e viria até ao Tejo, mas são poucas as certezas.
Neste texto, consideraremos apenas a Lusitânia do tempo dos Romanos, que apareceram na Península Ibérica para a conquistarem em 193 a.C. e travaram depois duras batalhas com os autóctones durante séculos, só terminando a guerra em 25 a.C.

Muitos textos descrevem a província romana, entre os quais se destacam a Geografia de Ptolomeu em grego e a Naturalis Historia de Plínio-o-Velho, em latim.

A dominação romana deixou profundas marcas na Ibéria. Desde logo, a língua que deu origem às principais línguas da península: português, espanhol, galego e catalão. 
Junto com a língua, veio a arte da escrita, em que já eram mestres. Trouxeram também as primeiras indústrias, como os trabalhos dos ferreiros, as forjas, as pedreiras, as olarias, os teares e a salga do peixe. 
Extraíram minerais. Criaram feiras e mercados e desenvolveram aglomerações urbanas ao jeito de cidades. Construíram uma rede de estradas, por vezes calcetadas em pedra, as velhas estradas romanas que duraram séculos, edificando pontes que ainda hoje perduram – veja-se a ponte de Aquæ Flaviæ, isto é, Chaves.

A Lusitânia foi criada em 29 d.C. por decisão do Imperador Augusto, tendo certamente em conta os limites étnicos anteriores.

O domínio romano permaneceu até à invasão das tribos germânicas dos Suevos e dos Visigodos, no início do sec. V.

Por volta do final do sec. I ou meados do II, iniciou-se a evangelização da Ibéria, sem que se conheça bem como se passou. Mas no final da dominação romana, o Cristianismo dominava em toda a Península e já tinham sido nomeados os primeiros Bispos.

O domínio dos Suevos, Visigodos e depois dos Árabes não se impôs às populações em termos de civilização; perdurou a Religião Cristã e os elementos culturais que tinham assimilado dos Romanos.

Os romanos chamavam Conventus, pl., Conventi às circunscrições em que se dividia uma Província. 
A Lusitânia, cuja capital era Emerita Augusta (hoje Mérida), foi dividida em três conventi: Conventus Emeritensis, Conventus Scallabitanus e Conventus Pacensis. 
É o que nos diz Plínio no livro IV:

"A partir do Douro, começa a Lusitânia. 
Temos aqui os Turdulos antigos, os Pesures, a cidade de Talabriga, a cidade e o rio de Emínio, as cidades de Conímbriga, Colipo e Eburobritium. 
Há depois um promontório que avança pelo mar dentro com a forma de um grande corno; foi chamado por alguns Artabro, por outros, o Grande Promontório, ao passo que muitos o chamam Promontório de Lisboa, da cidade que lhe fica ao pé. 
Este cabo forma uma linha que divide a terra, o mar e o céu. Aqui acaba este lado de Espanha; e, dobrado este promontório, começa a frente de Espanha."


Toda a província (da Lusitânia) divide-se em três circunscrições, as de Emerita, Pax e Scallabis. 
Contém ao todo 46 povoações, entre os quais 5 colónias, um município de cidadãos Romanos, 3 com os antigos direitos Latinos e 26 que são tributárias. 
As colónias são as de Augusta Emerita, situada junto do rio Anas (Guadiana), Metallinum, Pax e Norba, com o sobrenome de Cæsariana. A esta última estão subordinadas Casta Servilia e Casta Cæcilia. 
A quinta jurisdição é a de Scallabis que tem também o nome de Præsidium Julium. Olisipo, com o sobrenome de Felicitas Julia, e um Município, cujos habitantes têm os direitos de cidadãos Romanos. As cidades no gozo dos antigos direitos Latinos são Évora que também tem o nome de Felicitas Julia, Myrtili e Salacia, que já foi mencionada anteriormente.


As cidades tributárias que não temos problemas em mencionar, a juntar àquelas a que já aludimos falando das de Bética, são os Augustobrigenses, os Amnienses, os Aranditanos, os Arabricenses, os Balsenses, os Cesarobricenses. os Caperenses, os Caurenses, os Colarni, os Concordienses, os Elbocorii, os Interanneinses, os Lancienses, os Mirobrigenses também chamados Celtas, os Medubrogenses também chamados Plumbarii, os Ocelenses ou Lancienses, os Turdulos também chamados Bardulos e os Tapori.

Um grupo de arqueólogos (entre os quais Jorge de Alarcão) reuniu-se num Seminário em Paris no Centre National de Recherche Scientifique em 8-9 de Dezembro de 1988 e procurou definir os limites da Lusitânia no tempo dos Romanos.
Esses limites resultam também dos limites dos três conventi em que a Lusitânia se dividia. Eis as suas conclusões:

"Como já foi referido, a Lusitânia ficava a sul do rio Douro, com excepção da terra do Banienses, que ficaria a norte, na zona que hoje é a raia de Espanha."



Conventus Emeritensis


Em Portugal:


Seria dividido por uma linha saindo logo a sul de Ammaia (S. Salvador de Aramenha – Marvão) que, caminhando para norte, iria passar no final sudoeste da Serra da Estrela e continuaria em linha recta até ao rio Douro a oeste de Cárqueres (Resende), de modo a incluir a zona dos Paesuri.



Em Espanha:


Genericamente diremos, seguindo o referido texto, que em Espanha a fronteira leste do Conventus Emeritensis partindo do Douro na actual fronteira portuguesa, seguia uma linha a leste das seguintes cidades (de norte para sul): Bletisa (Ledesma), Salmantica (Salamanca), Avela (Ávila) Cæsarobriga (Talavera de la Reina), Alea (Ália), Lacinimurga (Villa Vieja), Metellinum (Medellin) e entroncava na actual fronteira portuguesa a leste de Moura.


Conventus Pacensis


Ficava a sul do Conventus Scallabitanus, separado deste por uma linha a sul de Lisboa (na Serra da Arrábida), e ainda a sul de Scallabis (Santarém) e de Aritium Vetus (Alvega – Abrantes), entroncando a seguir no rio Tejo. 
Os seus limites a leste coincidiam com a actual fronteira portuguesa.


Conventus Scallabitanus – ficava na zona pegada ao mar, a norte do Conventus Pacensis e a oeste do Conventus Emeritensis.


Podemos dizer que o Conventus Pacensis tinha a leste praticamente a mesma fronteira que tem Portugal hoje com a Espanha. 
Já o Conventus Emeritensis tinha a leste uma proeminente barriga após a fronteira actual que incluía a própria capital da Lusitânia, a actual cidade de Mérida.



Os cabos ou promontórios em Portugal, importantes para a navegação, eram assim conhecidos:


Promontorium Cuneum - (Promontório em Cunha) – Cabo de Santa Maria

Sacrum promontorium – (Promontório Sagrado) - Cabo de S. Vicente

Barbarium promontorium – (Promontório Bárbaro) - Cabo Espichel

Lunæ Montis promontorium – (Promontório do Monte da Lua) . Cabo da Roca



O nome das Ilhas Berlengas era Londobris.



É sempre interessante estabelecer a relação entre as cidades e aldeias do tempo dos Romanos e as localidades actuais. 
Às vezes isso é fácil, porque existem ruínas e foram feitas escavações (o caso mais curial é Conimbriga, junto de Condeixa-a-Velha), mas outras vezes é bastante difícil porque os vestígios são diminutos. Consultando a bibliografia indicada, cheguei a estas correspondências, onde os nomes em itálicos indicam povos (e as regiões em que habitavam):


Conventus EMERITENSIS

PORTUGAL


Ammaia – S. Salvador de Aramenha (Marvão)

Arabricenses

Aravi – Capital em Marialva (Meda), civitas Aravorum (J. Alarcão)

Banienses

Bobadela

Carquere (Resende)

Coilarni

Egitânia – Idanha-a-Velha

Igæditani



Interamnienses


Lancia Oppidana (Vetões)

Lancienses Oppidani

Lancienses Transcudani

Meidubrigenses

Ocellum (Vetões)

Paesuri

Tapori

Verurium – Viseu



Conventus SCALLABITANUS


Aeminium – Coimbra

Aranda – Torres Vedras

Aritium Vetus – Alvega (Abrantes) (J. Alarcão)

Baedorus – Condeixa-a-Velha (diz-se)

Callipo – S. Sebastião do Freixo (Batalha) (J. Alarcão)

Conimbriga ou Flavia Conimbriga- Conimbriga - Condeixa-a-Velha

Eburobrittium – Amoreira (Óbidos) (J. Alarcão)

Jerabriga - Alenquer

Lancobriga ou Langobriga – Monte Redondo (Feira), capital dos Turduli Veteres (J. Alarcão)

Olisippo Felicitas Julia – Lisboa

Scallabis – Santarém

Sellium – Tomar (J. Alarcão)

Talabriga – Cabeço do Vouga (Águeda) (J. Alarcão)



Conventus PACENSIS


Abelterium – Alter do Chão

Arandis ou Aranni, capital dos Aranditani – região de Ourique (J. Alarcão)

Baesuris – Castro Marim (A. Valverde)

Balsa – Luz de Tavira

Caetobriga – Troia (André de Resende)

Cilpes ou Cibilis - Silves

Ebora – Liberalitas Julia – Évora

Equabona – Coina

Ipses – Vila Velha - Alvor

Mirobriga – Santiago de Cacém (J.Alarcão)

Myrtillis - Mértola

Ossonoba – Estói, Faro

Pax Julia – Beja (alguns dizem Badajoz)

Salacia, Urbs Imperatoria – Alcácer do Sal

Turdulli qui Bardili – Turdulos chamados Bardilos – ignora-se a localização. Vale do Sorraia? (J. Alarcão)


Constata-se que na zona portuguesa do Conventus Emeritensis, poucas são as localidades identificadas da época Romana. 
É natural que assim seja, pois trata-se de zonas montanhosas, em geral de agricultura pobre, e que não poderiam ser florescentes naquela época. 
Sabemos, porém, o nome dos povos que ali habitavam, porque estão elencados na ponte de Alcântara sobre o rio Tejo, em Espanha, dedicada a Trajano, e construída em entre 104 e 106 d.C. por Caio Julio Lacer, arquitecto que acabou por falecer e ser sepultado em Alcântara. 
É uma ponte monumental digna de ser visitada. Aliás foi ela que deu o nome à localidade, pois Alcântara em árabe quer dizer “a ponte”. 
Aquela foi na altura a ponte por excelência.


Municípios da província da Lusitania que, com o dinheiro obtido por subscrição, completaram a obra desta ponte: Igaeditanos, Lancienses Opidanos, Toloros, Interamnienses, Colarnos, Lancienses Transcudanos, Aravos, Meidubrigenses, Arabrigenses, Banienses, Paesures. 



A civitas Igæditanorum era uma localidade importante como o demonstram as perto de 300 epígrafes descobertas da época romana. 
Não repugna considerar que os Igæditani seriam o povo mais importante dos constantes da placa da ponte de Alcântara.


Igaeditani – Como o nome indica, viviam num perímetro em volta de Idanha-a-Velha; foi feita Município por Vespasiano em 73-74 d.C.

Lancienses Oppidani - ficariam a nordeste do território dos Igeditanos, em Portugal, mas sobretudo em Espanha, em frente de Penha Garcia.

Tapori - a sudoeste dos Igeditanos; a sua capital seria Castelo Branco ou ficaria num triângulo cujos vértices seriam a Senhora de Mércoles, S. Martinho e Santa Ana (J. Alarcão).

Interannienses ou Interamnienses – diz J. Alarcão que Viseu terá sido a capital deste povo que estaria situado nesta zona

Coilarni - seriam os habitantes da região de Lamego, como é provado pelo marco de Goujoim (Armamar).

Lancienses Transcudani - Ao contrário do que antigamente se pensava Cuda não se refere ao Rio Coa. J. Alarcão propõe a localização da sua capital, o oppidum Ocelum, em Teixoso (Covilhã) e identifica-os também com os Ocelenses (Plinio, IV, 118). 
Numa outra hipótese pressupõe que a Cova da Beira seria a região dos Lancienses Ocelenses ficando os Lancienses Transcudani na zona da Guarda e Sabugal.

A civitas dos Aravi ficava a norte dos Lancienses Transcudani e a sua capital era Marialva (Meda). Plínio não os menciona.



Junto ao Douro de leste para oeste:


Meidubrigenses – Ignora-se o sítio exacto onde ficava este povo. J. Alarcão sugere Meda ou Ranhados. De qualquer modo ficavam a norte dos Aravi e a sul do rio Douro.

Arabrigenses - Um terminus augustalis descoberto em Goujoim (Armamar) assinala a separação entre ao Arabrigenses e os Coilarni. 
Um outro terminus está na Capela de São Pedro de Balsemão, ignorando-se se terá vindo daqui. A sua capital ficaria entre Moimenta da Beira, Sernancelhe e Quintela (J. Alarcão).

Banienses – a zona deste povo ficaria a norte do Douro. A sua capital ficaria no sítio do Chão da Capela, perto de Junqueira, na freguesia de Adeganha, concelho de Torre de Moncorvo.

Paesuri - Segundo J. Alarcão, Cárqueres (Resende) poderia ser a capital dos Paesuri. Ficariam junto do rio Douro, a oeste dos Coilarni.

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