Batalhas da II Guerra Mundial-Operação Barbarossa, a Invasão da Russia 5

Hitler e os seus generais discordam

A confiança de Hitler em seu poder de raciocínio militar desenvolveu-se a pouco e pouco. Ele provou estar certo – e seus generais não – quando revelou que a invasão da Renânia, em 1936, e da Áustria, em 1938, pelo exército alemão, não sofreria qualquer oposição. Também provou estar mais certo que seus generais ao prever o desenrolar e a duração da Blitzkrieg contra a Polonia, em 1939. Apesar de tudo isso, Hitler ainda não se sentia suficientemente seguro para, em questões estratégicas de grande envergadura, impedir que o Alto-Comando do Exército prevaricasse durante meses, no decorrer do inverno de 1939-40, sobre os planos para a invasão do Ocidente. As restrições do Alto-Comando não se restringiam à natureza ou sincronização do ataque. Eram feitas também à necessidade de sua efetivação, e até, como no caso de von Leeb, à sua moralidade. Tanto Brauchitsch, o Comandante-Chefe, como Halder, o Chefe do Estado-Maior (do OKH), tentaram persuadir Hitler, não uma vez, mas várias, de que a invasão da França pela Alemanha, sendo um ataque de uma potência mais fraca a outra mais forte, estava fadada a terminar em desastre. Mesmo depois de Hitler ter desprezado tais receios peremptoriamente, os generais procuraram protelar o início da operação, propondo planos palpavelmente irresolutos e avançando objeções técnicas às propostas mais promissoras inclusive do próprio Hitler.

Acontece que a vitória alemã no oeste, pela perfeição com que foi levada a efetivar-se, contribuiu muito para firmar o conceito de Hitler como estrategista, tanto aos seus próprios olhos como aos dos seus generais, pelo menos por algum tempo. Aliás, teria sido inconveniente pensar o contrário, para homens prontos a receber o bastão de Feld-marechal  das suas mãos (doze foram promovidos e nenhum deles recusou). Contudo, no fundo os estrategistas militares alemães tinham dúvidas sobre o talento de Hitler, no nível que eles denominam operativ, nível intermediário entre o da tática e o da estratégia: o nível em que as grandes decisões estratégicas são realmente levadas a cabo, apesar dos esforços do inimigo para frustá-las – em suma, no mais difícil de todos os níveis. O domínio da habilidade operativ, afirmavam os cérebros das forças alemãs, só depois de longos anos de experiência e treinamento, na paz e na guerra, seria perfeito, já que seu exercício exigia a mais íntima familiaridade com o funcionamento de todas as formações subordinadas de um exército. Hitler carecia, ou parecia carecer, dessa familiaridade. Daí as restrições que os generais faziam à qualidade do seu raciocínio militar, restrições que se apoiavam sobretudo nas demonstrações de insegurança que ele dava com frequência no decorrer das operações no oeste. Uma destas demonstrações de insegurança está suficientemente constatada na decisão que tomou de deter as formações blindadas a pouca distância do perímetro de Dunquerque, no dia 26 de Maio de 1940, quando a destruição da Força Expedicionária britânica estava ao alcance da Wehrmacht. Como sabemos, Hitler foi levado a tomar essa decisão a conselho de Rundstedt, um dos mais respeitados – e mais ortodoxos – líderes do exército alemão. Este fato, porém, não era do conhecimento dos militares, que viam em Hitler um homem dotado de espantosa perspicácia estratégica, mas inadequado para o controle de forças em campanha.

Realmente, seria estranho que tivessem qualquer outra opinião, independente das evidências, pois não é de conhecimento de causa e sensatez a demonstração que dá o Chefe de Estado que tenta dirigir por controle remoto operações militares de grande envergadura (como Hitler viria a fazer durante meses, e mesmo anos, até o fim da guerra). Também  era contrário aos interesses da Generalität alemã admitir que tal coisa fosse possível, pois significaria abrir mão de direitos e responsabilidades inerentes ao comandante de campo de batalha admitir que um homem, diante de um mapa, avaliasse melhor o moral de seus comandados, a força ou as debilidades do inimigo e determinasse, ainda a distância, todas as alternativas de uma batalha. A admissão desse fenomeno por parte do comandante eqüivalia a um esvaziamento total do cargo, a um rebaixamento à condição de simples mensageiro da vontade do Comandante Supremo.

A breve duração de todas as campanhas até então realizadas pela Wehrmacht havia impedido muita intervenção de Hitler na sua administração. Fator idêntico, ou talvez mais importante, fora a maneira extremamente fácil como os grandes planos estratégicos haviam sido postos em prática e obtido os resultados esperados. Durante o primeiro mês da “Operação Barbarossa” parecia que o padrão talvez viesse a repetir-se: a grande visão estratégica do Führer desenrolando-se majestosamente sob a direção perita do militar profissional, para quem seu criador olhava apenas de maneira benevolente e encorajadora.

Por volta de meados de Julho começaram a surgir os primeiros sinais de que a alegre divisão de trabalho estava prestes a ruir por terra. Dados o caráter de Hitler e o vulto da campanha russa, não poderia ter acontecido outra coisa. Os números envolvidos e as distâncias a serem cobertas eram tão maiores aos que o exército alemão enfrentara até então; os objetivos a serem alcançados, tão dispersos; a meta a ser atingida tão mais grandiosa, que nenhum planejador, por mais atilado que fosse, e nenhum plano, por mais amplo que fosse, poderiam prever todas as contingências. Ao contrário, habilidades operativ da mais elevada ordem seriam necessárias para que ao inimigo fosse arrancada a vitória dentro dos limites de tempo instituídos por Hitler. Daí a maneira incipiente e inábil demonstrada pelas forças agora espalhadas pela estepe.

O meio de intervenção de Hitler nos assuntos militares era o OKW (Oberkommando der Wehrmacht), sobretudo na seção deste chamada Wehrmachtführungstab, dirigida por Jodl. Pelo menos no início, as responsabilidades do OKW não iam à atividade operacional e, na verdade, não deviam estender-se ao controle das operações na Rússia (embora assim o fizesse em “setores do OKW” como na África do Norte e, por estranha sutileza, na Finlândia). O controle diário dos exércitos em campanha era exercido pelo OKH (Oberkommando des Heeres), o Alto-Comando do Exército. Mas, naturalmente, era no OKW que Hitler realizava diariamente duas conferências sobre a situação, e era ali que os oficiais do OKH apresentavam seus relatórios.

Os dois oficiais chefes do OKH, Brauchitsch e Halder, embora, a princípio, lutassem bastante pela autonomia operacional do exército, não revelaram caráter suficientemente forte, infelizmente para o exército, para conseguir essa autonomia. Halder, o Chefe do Estado-Maior, era bastante inteligente para ver o que iria acontecer, ou melhor, o que estava realmente acontecendo, em virtude da sistemática intervenção de Hitler nas atribuições do OKH, mas era incapaz de combatê-lo. Brauchitsch, a quem cabia também opor-se a essa intervenção, era o último oficial de quem isto seria de esperar, já que construíra sua carreira bajulando Hitler. Indicado como sucessor de Fritsch, demitido por falsas acusações de imoralidade, em 1938, Brauchitsch imediatamente concordou com a remoção de vários outros oficiais generais, que seus novos senhores consideravam inaceitáveis. Daí em diante, não manifestou nunca disposição para discutir nada que viesse de Hitler. A única vez que se encorajou a arriscar um mas, recebeu uma espinafração tão forte, que decidiu nunca mais arriscar-se.
Mas, seja qual for o objeto preponderante no comportamento dos generais germânicos, deu-se inevitável diferença de opinião entre ele e seus comandantes em campanha. Este choque de opinião assemelha-se muito ao que deu também no Alto-Comando Aliado na França, três anos depois, quando, após a destruição do Westheer (o Exército de Oeste), na Normandia, Montgomery e Eisenhower discordaram sobre a melhor maneira de explorar a primeira vitória obtida. Montgomery era por uma “Frente Estreita”, um avanço ao longo de um eixo nordeste, tendo tropas britânicas como ponta-de-lança e apoiado por todos os recursos em transportes e abastecimento à disposição dos Aliados, visando a penetrar a Muralha Ocidental alemã e capturar o Ruhr, seu centro industrial. Eisenhower, preocupado com os efetivos das forças inimigas que haviam escapado à destruição ou ao cerco na Batalha da Normandia, e temeroso de que os recursos logísticos dos Aliados não pudessem estender-se até onde Montgomery queria levá-los, defendia um avanço de “Frente Ampla”, para que os exércitos aliados se pegassem com o inimigo na maior frente possível, abrissem vários caminhos até a Alemanha e tomassem bases de onde pudessem envolver o Ruhr, em lugar de penetrá-lo

Esta analogia não é lá muito perfeita, porque, como veremos, Hitler procurava para o problema russo solução muito mais drástica do que a que Eisenhower buscava para o seu; mas Montgomery e os generais alemães esposavam pontos de vista e atitude igualmente radicais, ao mesmo tempo que, no respeitante à logística havia importantes similaridades entre as duas situações, que passaram despercebidas, a de 1941 e a de 1944. Isso porque o exército alemão se via em grande parte obrigado ao uso das estradas para transportar seus suprimentos, tal como aconteceria com os Aliados em Setembro de 1944. O caso primeiro não se devia aos efeitos destrutivos dos seus ataques aéreos contra o sistema ferroviário russo, e sim à necessidade de reduzir a bitola dos trilhos russos (159 cm) para o padrão europeu ocidental (143 cm). Todavia, tal como acontecia com Montgomery, os líderes dos Panzer não queriam saber de queixas sobre as dificuldades de transportar suprimentos, por estradas ruins, semidestruídas pela guerra, de bases distantes até uma linha de frente que não parava de mudar de lugar.

A primeira vez que Hitler insinuou raciocínio que o levaria a sérios conflitos com seus generais foi a 8 de Julho, quando deixou claro estar pensando em tentar capturar a Ucrânia, em lugar de Moscou e Leningrado, aparentemente por causa dos resultados econômicos que isto oferecia. A medida, porém, envolvia uma inversão das prioridades estratégicas estipuladas pela Ordem da “Operação Barbarossa”(Diretiva do Führer n° 21), que prescrevia a destruição do Exército Vermelho da Rússia ocidental como seu primeiro objetivo, a tomada de Leningrado e a costa do Báltico com objetivo n° 2, vindo Moscou em terceiro lugar, a menos que circunstâncias formidáveis possibilitassem a montagem de operações simultâneas dirigidas contra duas cidades ao mesmo tempo. De qualquer modo, a Ucrânia só depois de tudo isso realizado é que seria visada.

Já em meados de Julho era evidente que a destruição do exército russo seria tentada não apenas através de pinças dos Panzer. Particularmente perturbadora era a presença de um remanescente da força de proteção soviética, representada pelo 5o Exército, dentro dos Pântanos do Pripet. Exames posteriores revelariam que seu poder de ataque era pequeno, mas as ameaças representadas por ele contra os flancos do Grupo de Exércitos Centro, situado ao norte dos pântanos, e do Grupo de Exércitos Sul, postado ao sul dele, eram o bastante para subentender que as linhas de comunicação de retaguarda desses dois grandes agrupamentos corriam perigo. Além disso, as próprias linhas de comunicação do 5º Exército soviético, que o ligavam ao interior, continuava, abertas.

A 19 de Julho Hitler emitiu importante Diretiva, destinada a esclarecer a situação, reiterando que o objetivo básico da operação era destruir o Exército Vermelho a oeste da linha Dnieper-Dniester, particularmente o 5o Exército Vermelho, no Pripet, e os 6º e 12º Exércitos,  na Ucrânia, mas estipulava que estas tarefas tinham de ser realizadas através do desvio par o sul de grande parte dos efetivos de Panzer do Grupo de Exércitos Centro. Ele concertaria ataques com as forças do flanco norte (o 6º Exército alemão e o Panzergruppe 1 de Kleist) do Grupo de Exércitos Sul. O resto dos blindados do Grupo de Exércitos Centro entraria em contato com o Grupo de Exércitos Norte e apressaria a marcha sobre Leningrado.

Estava em curso nova interferência de Hitler no controle operacional em escala maciça. Mas nem Brauchitsch nem Halder tentaram discutir o problema com ele naquele momento. Aliás, é perfeitamente possível que ainda uma vez estivessem de acordo com ele, com referência ao curso dos acontecimentos. Quem reagiria, violentamente, contra a tentativa de cercear o alcance da penetração nas fracas defesas russas e a progressão para leste, seriam os comandantes de nível mais inferior, notadamente os comandantes de Panzer e, em particular, Guderian, do Panzergruppe 2.

Mas eles ainda não tinham meios de fazer chegar seus sentimentos a Hitler, que, cada vez mais alarmado com a intransigência das formações russas cercadas, e talvez já começando a comparar as virtudes da aquisição de território com a destruição de forças inimigas, emitiu, a 23 de Julho, um suplemento à Diretiva do Führer n° 33, que insistia na importância da destruição de forças. Ela adiava o ataque a Moscou até que as operações de limpeza em torno de Smolensk tivessem terminado, e teria posteriormente confiado a missão às formações de infantaria. Como as unidades avançadas de infantaria do Grupo de Exércitos Centro ainda estavam pelo menos a uns 350 km da capital, este trecho da Diretiva pretendia claramente expressar mais aspiração do que uma real intenção.

Todavia, a principal concentração de forças russas continuava sendo a da frente do Grupo de Exércitos Centro, comandada pelo Marechal Timoshenko, que desfecharia contra ele uma arremetida vigorosa mas inoportuna, na terceira semana de Julho. Na luta que se seguiu, as unidades Panzer de Guderian e Hoth sofreram baixas que não podiam sofrer, já que apenas o desgaste provocado pelo avanço reduzira seus efetivos de tanques em 50 %.

Aí estavam provas de apoio da opinião de Hitler, que o OKH de modo algum refutava, de que “os russos não serão vencidos em encontros de grandes proporções, não se entregam em grandes levas, porque simplesmente não sabem reconhecer quando estão batidos. Portanto, eles têm de ser esmagados aos bocados, por meio de pequenas operações táticas”(26 de Julho). De acordo com esse raciocínio e com linhas gerais estipuladas no suplemento à Diretiva n° 33, Brauchitsch expediu ordens detalhadas ao Q-G operacional.

No tocante às operações do Grupo de Exércitos Centro, ficou por ele estabelecido que esse grupo primeiramente destruiria o 5º Exército soviético no Pripet, usando os Panzergruppen. Guderian, que fora chamado do seu posto de comando para receber essas ordens, numa conferência dos comandantes de Exército do Centro, no Q-G de Novi Borisow, ficou ressentido com o que naturalmente considerava mau emprego dos seus tanques. Entretanto, tendo também sido promovido a comandante de exército nessa reunião (sendo, por isso, seu Panzergruppe rebatizado Armeegruppe Guderian), ele decidiu não prender-se às instruções que lhe foram delineadas na conferência. Nessa decisão, ele seria muito ajudado pelo fato de que sua promoção o libertava do controle de Kluge, o comandante do 4º Exército; ambos se detestavam mutuamente. Essa promoção subordinava-o apenas a Bock, cujo Q-G estava consideravelmente mais à retaguarda que o de Kluge e cujas idéias sobre a guerra blindada se assemelhavam mais às suas.

A técnica que Guderian escolheu como meio para descumprir as ordens que lhe pareciam erradas pertence a uma venerável tradição na história das desobediências militares. Ele iniciou a batalha de modo que se tornou impossível, pelo menos pela maneira como se apresentaram os acontecimentos, livrar suas forças até que tivesse vencido. O ponto onde ele resolveu organizar a “ação de retardamento” foi Roslavl, uma pequena cidade situada a 110 km a sudeste de Smolensk, entre o Desna e o Dnieper, onde as estradas para Moscou, Leningrado e Kiev se encontram.

Os motivos alegados por Guderian, à parte conquistar um ponto nodal tão valioso, era o rompimento do que ele declarou ser uma concentração ameaçadora de divisões russas em torno da cidade. As divisões, talvez em número de quatro ou cinco, por certo existiam, mas parece improvável que fossem a ponta-de-lança de grande contra-ataque, como Guderian insistia em chamá-las. Na realidade, elas haviam sido reunidas para penetrar o bolsão de Smolensk, fosse para livrar ou para reforçar as unidades ali presas.

A recorrer a essa evasiva, ele forçou a aprovação, implícita ou explícita, de Bock, seu comandante de Grupo de Exércitos, que não poderia ver com bons olhos um desenvolvimento de forças capaz de lhe arrebatar o papel principal na frente russa. Também houve aprovação tácita do OKH, cujo representante, comparecendo ao Q-G de Guderian a 31 de Julho, lhe dissera indiretamente que o exército não seria hostil a certa resistência, na linha de frente, à tendência de Hitler de intrometer-se em assuntos operacionais.

Independente da atitude de Kluge, Bock ou Halder, ou mesmo de Hitler, parece improvável que Guderian tivesse concordado com qualquer decisão que dispersasse os grupos Panzer que operavam no que ele considerava ser o eixo decisivo, nem com um plano que os desviasse ainda que temporariamente para outras frentes. Afinal de contas, Guderian praticamente criara as forças Panzer sozinho, por certo estava mais intimamente identificado com os princípios da tática da Blitzkrieg do que qualquer outro general alemão, e tinha confiança ilimitada na sua eficácia. Para o general dos Panzer, a constante preocupação quanto à segurança dos próprios flancos ou tentativas de alcançar objetivos secundários, de passagem, eram igualmente odiosas. O que contava era a velocidade ao longo da linha de ataque principal, pois era isto que deixava o inimigo sem fôlego, provocava a desorganização em suas fileiras, aumentava o espanto dos seus soldados, cortava suas linhas de aproximação da frente ameaçada e destruía a infra-estrutura do seu sistema de abastecimento e transporte. Por todos os motivos, Guderian opunha-se previsivelmente ao encerramento do avanço sobre Moscou, agora situada a 350 km das patrulhas avançadas das suas tropas Panzer. Elas haviam percorrido 700 km em seis semanas. Levaria mais tempo para capturar Moscou?
Todavia, na mesma noite em que Guderian iniciou a ofensiva de Roslavl, chegou outra Diretiva do Führer, a de n° 34, afirmando que Hitler reconsiderando assunto tratado na anteriormente baixada, determinava que os grupos Panzer do Grupo de Exércitos Centro não deviam ser emprestados a qualquer outro setor das forças em operação. O parágrafo principal dizia o seguinte: “O desenrolar da situação nos últimos dias, o aparecimento de forças inimigas mais poderosas na frente e nos flancos do Grupo de Exércitos Centro, as condições do abastecimento e a necessidade de dar aos Panzergruppen 2 e 3 cerca de dez dias para restaurar suas unidades, tornam necessário adiar temporariamente as outras tarefas e objetivos”. Os Grupos de Exércitos Norte e Sul teriam de se arranjar com as forças então sob seu comando e avançar.

O raciocínio de Hitler, ainda que diferisse do esboçado na diretiva, não ficara claro. Contudo, pode ser que ele tivesse aceito a inevitabilidade de certo adiamento nesse momento (o sistema logístico alemão estava muito desorganizado e, por certo, não poderia abastecer os Panzer num avanço de 320 km), e decidiu aproveitar o tempo do adiamento para uma visita aos Q-G de operação para colher impressões pessoalmente das circunstâncias e ouvir opiniões. A 4 de Agosto, ele visitou o Grupo de Exércitos Centro, em Novi Borosow. Embora não o soubesse, foi uma visita arriscada, pois a equipe de Bock incluía vários membros daquele grupo de jovens oficiais que estavam planejando (ainda que de modo amadorístico) derrubar Hitler do poder. Como não pretendia fazer violência contra ele, e como, naturalmente, os guardas SS não permitiam que se aproximassem dele, seus esforços nessa ocasião fracassaram. Não obstante, era um presságio do que viriam a tentar, com crescente determinação, nos três anos seguintes.

De sua parte, Hitler fez questão de entrevistar separadamente cada um dos comandantes de exército em Novi Borosow, para que o conjunto das objeções à sua estratégia não superasse a defesa que ele fazia da mesma. Era uma precaução sensata: quando perguntou a Bock, Guderain e Hoth (comandante do Panzergruppe 3) quanto tempo cada um deles precisaria para preparar seu avanço sobre Moscou, Bock declarou-se pronto para iniciar imediatamente, mas Guderian pediu uma quinzena e Hoth, três semanas. Reunidos, eles foram incapazes de oposição convincente ao plano de Hitler, e, mesmo de obter dele a promessa de envio de quantidades satisfatórias de tanques ou peças sobressalentes para substituir os destruídos ou desgastados na avanço. E isto, apesar da extraordinária confissão de Hitler a Guderian, de que “Se tivesse sabido que os números dos efetivos de tanques russos que você deu em seu livro (Achtung! Panzer! 1937) eram de fato verdadeiros, creio que não teria começado esta guerra”. Hoth, cujo Panzergruppe 3 realizara tanto ou mais que o de Guderian, reagiu ao protesto de Hitler contra o avanço sobre Moscou preparando obedientemente seu Panzergruppe para transferência para a frente do Grupo de Exércitos Norte. Nem Guderian nem Bock, nem mesmo o OKH, que agora apoiava firmemente a opção de Moscou, mostraram a mesma flexibilidade. Na verdade, durante o espaço de tempo chamado de “interregno de 19 dias”, Guderian pouco fez de positivo após a visita de Hitler ao Q-G do Grupo de Exércitos Centro; seu objetivo, ao que parece, teria sido conservar o máximo de forças na frente de Moscou perto de Roslavl, enquanto se desviava relutantemente para a direita, na direção do Grupo de Exércitos Sul, como um gesto de obediência às ordens de Hitler.

O Alto-Comando russo parece ter compartilhado a opinião de Guderian, pois manteve seus maiores efetivos na frente do Grupo de Exércitos Centro e enviou grande número de reservas a Timoshenko, o comandante daquele setor. Contudo, nessa época, as reservas raramente passavam de grupos de homens treinados à pressa, reforçados por quadros de unidades de treinamento vindas do interior, ou as divisões já desfalcadas na luta. Estes foram os tipos de reservas que reforçaram a Frente Sudoeste, comandada por Budenny, que começava a assediar o Stavka com pedidos para evacuar o 5º Exército da sua posição no Pripet, e juntá-lo à sua força disponível. O Stavka, porém, fez-lhe ver que se o ataque alemão cessara, ainda que momentaneamente, isto se devia, pelo menos em parte, à presença do 5º Exército nos flancos internos dos Grupos de Exércitos Centro e sul. Por isso, não permitiu que Budenny o recusasse, embora ordenasse a criação de outra grande formação, a Frente de Bryansk, que ocuparia a brecha existente entre os comandos de Budenny e Timoshenko.

Acontece que não era acertada a decisão do Stavka, embora apoiada em razões certas. Qualquer interpretação das intenções alemãs, em termos dos métodos da Blitzkrieg, que pareciam haver-se tornado sua ortodoxa tática e estratégica, apontaria Moscou como o objetivo do seu esforço, no estágio secundário da campanha. Mas o que o Stavka não podia saber é que Hitler passara a duvidar da validade dos métodos da Blitzkrieg nas vastidões russas. À parte a opinião que tinha sobre os russos, de que teriam que ser derrotados e esmagados aos bocados, em pequenas operações táticas, Hitler se sentia bastante atraído pelas presas de grande significação econômica representadas pelas regiões do Báltico e da Ucrânia. A perda destas regiões de tal modo afetaria nos russos a capacidade de produção de recursos bélicos, dizia ele, que as batalhas pela sua posse seriam tão decisivas quanto qualquer outra batalha de cerco dos seus setores mais fortemente defendidos.

Mas, o OKH e o OKW, temporariamente concordes, após uma reunião entre Halder e Jodl, a 7 de Agosto, conseguiram convencer Hitler a emitir uma alteração da Diretiva do Führer n° 34, a 12 de Agosto. Essa alteração visava ao reinício do avanço sobre Moscou, para talvez no final daquele mês. Mas quando o Grupo de Exércitos Norte sofreu alguns reveses locais, a oeste de Leningrado, três dias depois, isto tornou a despertar nele o medo de não conquistar esses premios materiais muito valiosos e fê-lo emitir outra contra-ordem, destacando divisões Panzer do Grupo de Exércitos Centro para a Frente Norte.

Para Bock, essa ordem era uma “exigência impossível”, pois as divisões blindadas a serem destacadas ou estavam sendo renovadas ou em combate com os russos, e assim Bock procurou o apoio de Halder. Este, vendo que Brauchitsch não se dispunha a agir, reuniu os oficiais mais jovens da seção de operações e pediu que preparassem uma apreciação por escrito. Concluíram esses oficiais que um ataque a Moscou ainda oferecia a melhor oportunidade de terminar a campanha de maneira rápida e decisiva. Halder a transmitira e mandara o Coronel Heusinger, principal autor da apreciação solicitada, conferenciar com Jodl. A conversa que mantiveram embora só conheçamos a versão de Heusinger, dá bem uma idéia da atmosfera reinante nos dois Q-G rivais (embora temporariamente aliados). Jodl declarou que “Hitler tem uma aversão instintiva a seguir o mesmo caminho de Napoleão. Moscou lhe dá uma sensação sinistra. Receia a possibilidade de luta de rua em rua, com a cidade em chamas, e que nessa luta possa o exército perder-se”. Heusinger alegou que, apesar disso, o exército alemão tinha de se bater ali, e quando Jodl objetou que a intuição do Führer “em geral estava certa”, Heusinger focalizou o caso de Dunquerque, afirmando que “uma vez mais perderemos uma oportunidade decisiva”.

Hitler reagiu de duas maneiras à apreciação dos oficiais de operação do OKH: emitiu, através de Jodl, uma nova instrução estratégica que mandava os dois Grupos de Exércitos externos avançar para seus objetivos, Leningrado e Kiev – a Criméia – a bacia do Donetz, e o Grupo de Exércitos Centro ajudá-los em seu avanço; estipulava, em particular, “uma operação concêntrica, partindo dos flancos internos dos Grupos de Exércitos Sul e Centro, contra o 5º Exército soviético”. Ele também preparou e enviou a Brauchitsch, o Comandante-chefe, um estudo tático da campanha que censurava o exército em geral (e Brauchitsch em particular); o primeiro pela inépcia demonstrada em manobrar as forças móveis e o último por não ter “o domínio necessário”. Halder instou com Brauchitsch que se demitisse, afirmando que faria o mesmo se ele quisesse, mas o desalentado feldmarechal (expressando um sentimento que explica perfeitamente o motivo por que o exército alemão, sob sua liderança, só apresentava resquícios da sua velha e altaneira independência) recusou-se a formular o pedido de demissão alegando que não seria aceito e que, portanto, nada adiantaria.

Guderian, o mais insistente advogado da ofensiva de Moscou, negava-se  peremptoriamente a calar-se, por estar convencido de que seus Panzer poderiam chegar à capital e que, à sua aproximação, os russos, agrupando tudo para defender a sede do governo e centro de suas comunicações, se exporiam em massa ao ataque decisivo. Halder, que levava a Bock e a seus subordinados no Grupo de Exércitos Centro, a 23 de Agosto, a decisão de Hitler, persuadido pela entusiástica exposição de Guderian, concordou em que este o acompanhasse de volta ao Q-G em Rastenburg, para que este a apresentasse pessoalmente a Hitler. Ambos partiram imediatamente.

Chegando a tempo de comparecer à reunião vespertina de Hitler, eles foram recebidos por Brauchitsch, que para princípio de conversa foi logo dizendo: “Proíbo-lhe de mencionar a questão de Moscou ao Führer. Já se deu ordem para a operação contra o sul (o ataque a Kiev). O problema agora é apenas a maneira como deverá ser realizada. É inútil discutir”. Com isso, Guderian “pediu permissão” para retornar à frente, mas Brauchitsch insistiu para que ele informasse a Hitler sobre a situação do seu Panzergruppe, “mas sem mencionar Moscou”. Assim fez Guderian, mas com tantas insinuações sobre o que entendia ser o objetivo principal”, que o próprio Hitler tocou no assunto. Instado a falar, Guderian esboçou a estratégia do “ataque central” com toda a precisão e capacidade de persuasão que podia, pormenorizando todos os passos a serem dados. Hitler ouviu-o até o fim, e depois, numa resposta que incluía a frase “meus generais nada sabem sobre os aspectos economicos da guerra”, que Guderian não ouvira antes, explicou a vantagem economica que via na captura da região industrial meridional, desde Kiev até Kharkov, e de neutralizar a Criméia, de onde, segundo temia, a Rússia poderia montar ataques aéreos aos campos petrolíferos romenos.

Vendo que os cortesões de Hitler lhe negavam qualquer palavra de apoio, e concordavam. Com gestos e sussurros, com tudo o que Hitler dizia, Guderian desistiu de argumentar. Nem Brauchitsch nem Halder o haviam acompanhado à conferência. Mas quando, na manhã seguinte, Guderian pôs Halder a par do que se passara, falando-lhe inclusive de sua decisão de concordar inalterável, do Führer de mudar o eixo do ataque para Kiev, e de seu pedido, aceito por Hitler, para que seu Panzergruppe entrasse em combate intacto, Halder teve o que Guderian descreveu como “total colapso nervoso”.

Perseguido por suas recriminações e, aliás, alcançado por elas, pois Halder comunicaria uma versão muito prejudicial dos acontecimentos ao Q-G do Grupo de Exércitos Centro enquanto Guderian ainda estava a caminho, este chegou ao seu Panzergruppe a 24 de Agosto, com o propósito de terminar a operação de Kiev de modo rápido e cabal, para ter tempo de reiniciar um ataque “decisivo” a Moscou antes que o tempo realmente esfriasse. O exército alemão só teria mais dois meses e meio à disposição.

Fim

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